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A Contaminação Vem do Vizinho!!!!!

Certamente quem trabalha com Áreas Contaminadas já ouviu essa frase muitas vezes. Provavelmente já falou essa frase uma boa porção de vezes também.
Mas... dá pra dizer isso sem medo de passar vergonha?
A ideia desse texto surgiu após uma animada conversa que tive no sábado passado com um amigo que trabalha com áreas contaminadas, mas na área jurídica. Na conversa, pude perceber o quanto essa frase é utilizada, para diversos fins, nos trabalhos de Gerenciamento de Áreas Contaminadas.

Basicamente no que se baseia essa afirmação? No "mapa potenciométrico" da área. Se a sua área está "a jusante" hidraulicamente do vizinho, a tendência é tentar "jogar a bomba" para ele. Outro ponto que embasa a afirmação é o famoso "nunca foi usado esse composto na minha área". Sobre essa segunda afirmação, não vou comentar nesse artigo, mas os procedimentos do Gerenciamento de Áreas Contaminadas prevê que deve ser feita uma Avaliação Preliminar que não deixe nenhuma dúvida sobre o tal produto nunca ter sido manipulado naquela área o que, convenhamos, é muito difícil de garantir.
O presente texto trata basicamente da questão do mapa potenciométrico, utilizado como evidência de que a pluma veio do vizinho. Aliado ao mapa potenciométrico, muitas vezes é utilizado o argumento que "a concentração é maior nos poços mais próximos do vizinho" para corroborar o mapa potenciométrico.

Mas como são feitos os mapas potenciométricos? Essencialmente, por qualquer manual de hidrogeologia, esses mapas são baseados no potencial hidráulico de cada ponto de medição, e a água subterrânea vai do maior potencial para o menor, e isso determina a direção e sentido preferencial do fluxo subterrâneo. Só que a leitura apressada dos manuais nos faz esquecer, primeiramente, que esse é um mapa bidimensional, ou seja, considerando um plano único da água subterrânea, ou seja, considera que todo o meio estudado é um único imenso, infinito, homogêneo e isotrópico aquífero. Não é necessário ser nenhum expert para saber que isso não corresponde à realidade.

Os pontos de medição são os poços de monitoramento, muito populares na nossa área. Para que esse poço de monitoramento forneça dados e informações representativas e relevantes, ele precisa:
- ser adequadamente instalado (aqui incluindo perfuração, materiais, diâmetro, dimensionamentos, serviço de instalação, desenvolvimento, e muitos outros relativos à execução em si)
- estar posicionado na zona-alvo ou na unidade hidroestratigráfica de interesse

O primeiro ponto é muito claro, por isso não comentaremos por enquanto nesse texto, mas o segundo é crucial. Qualquer leitura minimamente atenta de algum manual de hidrogeologia (olha ele aí novamente) diz que os dados coletados representam aquela unidade hidroestratigráfica específica onde está posicionada a seção filtrante do poço de monitoramento. Sendo assim, o poço, para fornecer dados representativos, deve estar posicionado na camada de interesse e somente nessa camada de interesse, e todos os dados coletados serão relativos a ela.

Muito bem, embora os relatórios de investigação de áreas contaminadas falem sempre que os poços estão posicionados no aquífero livre, isso é uma meia verdade, pois o estudo está considerando um aquífero infinito, homogêneo e isotrópico, sendo que o próprio relatório contradiz essa premissa, como pode ser visto na Figura 1.

Figura 1. Poço de monitoramento instalado com seção filtrante em várias unidades hidroestratigráficas diferentes


O poço mostrado na figura, longe de ser uma exceção, é a regra nas investigações. O mercado sempre quer instalar poços de monitoramento no "aquífero raso" com a seção filtrante 2 metros abaixo do nível de água e 1 metro acima do nível de água, independente da variação do meio físico, o que traz erros enormes nas tomadas de decisão. 
Considerando que a amostragem de solo foi correta e que a descrição tátil-visual dessas amostras também foi correta, pode-se observar que a seção filtrante do poço da Figura 1 está interceptando várias unidades hidroestratigráficas muito diferentes, desde um cascalho até uma argila.
Desta forma, o dado colhido nesse poço de monitoramento representa uma média ponderada de todas as unidades atravessadas pela seção filtrante, ou seja, a condutividade hidráulica obtida nesse poço não é representativa, a concentração não é representativa e o potencial hidráulico, tema central desse texto, não é representativo se for tomado nesse poço. Se o potencial hidráulico não é representativo, o mapa potenciométrico também não é, portanto, não é possível afirmar que "a pluma veio do vizinho".
Adicionalmente, por não estar em uma única unidade hidroestratigráfica, as concentrações em fase dissolvida obtidas nesse poço também não são representativas, mesmo que a instalação tenha sido excelente, a amostragem de água tenha sido maravilhosa e o laboratório seja o mais perfeito do mundo, pois a amostra foi coletada da posição errada. Se a concentração não é representativa, o argumento de que "a maior concentração está perto do muro" também não pode ser utilizada.

Alguém mais versado em hidrogeologia poderia sugerir, para esse caso, um teste de traçador. Infelizmente, mesmo o teste de traçador sendo o melhor instrumento para essa finalidade, utilizá-lo nesses poços também não será representativo. A única solução, infelizmente, é descomissionar adequadamente os poços e instalá-los na posição correta.

Quantos casos como esse você já viu?

É possível afirmar que a Contaminação vem do Vizinho? Você apostaria seu CREA nisso?


Marcos Tanaka Riyis
Novembro de 2018


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